sexta-feira, 20 de março de 2009
O passado e o presente
Estou almoçando na lanchonete do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, onde há cerca de 15 anos me graduei no curso de Ciências Biológicas. Tenho que entregar o projeto de mestrado de um aluno meu para alguns professores da USP e resolvi almoçar aqui primeiro. E de repente fiquei muito emocionada. São muitas lembranças. Ainda que algumas coisas estejam diferentes, muitas permanecem exatamente do mesmo jeito.
O flashback começa assim que saio do carro. Estaciono ao lado do prédio da Zoologia pensando em reencontrar a "minha" árvore, embaixo da qual eu me sentei quase todos os dias da minha graduação para ler na hora do almoço e onde, tentando me esconder do mundo, fiz minhas melhores amizades na época.
Mas enquanto saio do carro, algo me distrai - o som de uma... flauta! Qual é a chance??? Memórias do já falecido seguidor do Durvalismo me vêem imediatamente à mente... Ele, que entre muitas outras coisas não comia cebolas pois acreditava que elas eram símbolo da perfeição do universo, passava horas tocando flauta nos jardins da Bio para fazer um bicho dormir (era uma anta ou um javali? ou seria uma paca?) porque caso ele acordasse, a Mulher de Fogo destruiria o mundo. Ou algo assim. Com a lembrança dele vieram outras tantas de outros "loucos", como o cara que dizia ter uma mancha no cérebro, um tumor raríssimo, e que além disso tinha perdido um dos pais (acho que era a mãe) em um sério acidente radioativo em um laboratório de física. Muito azar pra um cara só...
Pensando nessas coisas, subo as escadas ao lado da lanchonete e vejo a mesma moça (agora não mais tão moça) vendendo bijuterias no mesmo lugar de sempre! Ela me cumprimenta, mas não me reconhece.
O nó começa a se formar na minha garganta quando chego à lanchonete. Acho que tenho mais créditos de lanchonete do que de várias matérias da faculdade... Essa mudou bastante, quase totalmente reformada, virou restaurante self service. Mas olhando bem ainda resta muito da construção original, como a varanda, agora coberta, e as mesmas portas de ferro pintadas... Entro na lanchonete e quase trombo de frente com o Bob, professor de Ecologia, rei das piadinhas infames.
A essa altura eu tenho mesmo que me controlar porque me encontro quase chorando. Quantas tardes não passei aqui jogando RPG? Estudando para provas na última hora? Comendo aquela maravilhosa lasanha a bolonhesa, ou a torta de frango nadando em catchup e mostarda? Aninhando os gatos abandonados? (desses não há mais nenhum sinal)
Não me considero uma pessoa saudosista. Mas confesso que me emocionei muito hoje. Porque hoje, eu não sei. Ao longo desses anos todos já estive aqui muitas vezes, nesse mesmo lugar, sem que isso tivesse trazido nenhuma emoção especial. Será que estou mais aberta? Ou mais sensível? Não faço idéia. Mas já que aconteceu, fica aqui o registro.
Na volta ao carro, ao mesmo som da flauta, procuro a "minha" árvore. Hoje ela está cercada por plantas altas, uma espécie de jardim onde antes só havia grama rala, não sendo mais possível sentar à sua sombra. Escolho uma árvore vizinha, próxima o suficiente, e sento para terminar de transcrever essas sensações aos prantos.
Lembro dos livros que li, dos sonhos que tinha... e de repente, como num estalo, o choro para. Chorar pra que? Por que? Se muitos dos sonhos não se realizaram, outros que nem imaginava na época se tornaram realidade. Costumamos limitar o mundo naquilo que nos cerca, com as pessoas que hoje conhecemos, com as perspectivas que temos em cada momento, sem conseguirmos extrapolar para o inesperado. Se consigo notar semanalmente diferenças em mim mesma, que dirá comparando comigo há 15 anos atrás! Não há necessidade de resgatar esses sonhos! Minha vida hoje é muito mais rica do que o trilho da minha imaginação de 15 anos atrás.
A flauta parou e o que ouço é o som de centenas de grilos e cigarras. Vejo dezenas de pequenas borboletas e outros insetos voando. Tantos anos passei sentada aqui e não lembro de nenhuma vez sequer ter parado para apreciar essas coisas, apesar de ter vivido muitas outras neste mesmo lugar. Pessoas passam por perto sem se importarem comigo e vice versa. Entre os sons soltos ao vento, penso identificar a palavra "saudade". Quem diria... Logo hoje, que me sinto tão no presente, saboreando todas aquelas lembranças e sonhos, mas pronta como nunca para os próximos, que mesmo agora tomam tantas formas distintas...
Na saída, vejo outro lugar que traz outras lembranças, muito mais específicas e complicadas. Mas essas podem esperar para serem resolvidas outro dia. Uma coisa de cada vez... ;)
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3 comentários:
Ora, ora... que indício interessante! Aguardo a continuação desses auspícios ;)
Karin adorei!
Depois que formei só voltei na faculdade onde estudei uma vez, até pq é em outra cidade, outro estado... Mas eu tive essas mesmas sensações!
Meu retorno foi após 5 anos de formada. O mais impressionante foi ter chegado num carro que aluguei na cidade (fiz a viagem de trem, como fazia quando era caloura) e logo no estacionamento 3 funcionarias do setor da esterilização que estavam no ponto de onibus me reconheceram dentro do carro. Não era o carro que eu tinha na faculdade! Eu não estava acreditando vendo elas virem em minha direção, só acordei quando me chamaram pelo nome. Caraio 5 anos tinham se passado, e quantos e quantos alunos passaram tb! E elas não esqueceram...
Depois fui passando em cada cantinho que eu frequentava, sala de aula, laboratórios, clínicas...
Afff me deu saudade!
Beijão pra ti.
Precisamos rapelar mais :)
Afe!
Coisa boa essas tuas lembranças, coisa boa demais te ler...
Eu morro de saudade da minha facul. Ainda quero voltar à "Franca do Imperador", lógico que não era mais do imperador na época, que não sou tão velha assim... :P
Mas quero voltar lá, rever os professores queridos que lá ainda estão, pq são tão dinossauros que de quando me formei, tem dez anos, até hoje, já faleceu pelo menos meia dúzia... :(
Incrível como certas lembranças e certas emoções nos tomam de surpresa. E sabe, é bom, faz a gente ter a certeza de que mudou, mas em essência ainda é a mesma pessoa... E que o tempo é mais relativo do que se pensa, que a lienaridade é uma ilusão, assim como são tantas as ilusões que a gente alimenta sem saber... Que há mais mistérios na vida e mais vida no mistério do que podemos imaginar... E que toda essa magia somada é que faz a vida ter tanta cor, tanto gosto...
E que venham os sabores, relembrados, inventados, novos e reciclados, mas que venham, sempre! ;)
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