terça-feira, 22 de março de 2011

Como começar um final de semana com emoção indo a BH


Comece saindo apenas levemente atrasada de casa. Pegue um congestionamento monstro na Marginal Tietê a caminho do aeroporto. Chegue no estacionamento definitivamente atrasada e descubra que a van que vai ao aeroporto não está lá...Tente fazer o web-check in para adiantar e receba a mensagem que sua reserva não foi localizada (???). Entre na van em estado de semi-choque e explique ao motorista porque ele tem exatos 30 segundos para chegar ao aeroporto. Chegue esbaforida no balcão da companhia aérea, faça o check in (felizmente sem bagagem para despachar) e corra para o portão de embarque. Descubra que o embarque está sendo feito pela entrada internacional (???). Enfrente a fila do raio X mais criterioso dos últimos anos e deixe metade dos recipientes com líquidos no cesto de lixo, sem discutir. Pegue a fila imensa da Polícia Federal ("mas eu só vou pra BH, moço!!!"). Vá correndo ao portão de embarque que está no seu cartão e descubra que não há NINGUÉM lá… Corra aleatoriamente pelo aeroporto até encontrar algum atendente da sua companhia aérea e descubra que, apesar de não aparecer nos monitores, mudaram o seu portão de embarque. Chegue no portão certo no exato minuto em que o seu vôo já deveria estar decolando e descubra que o vôo está atrasado 15 minutos (ufa!). Olhe para o monitor e tente entender que logística faz com que um vôo saindo de São Paulo vá para Buenos Aires fazendo escala em Belo Horizonte (!!!). Cheque mentalmente seus conhecimentos de geografia do ensino fundamental (primeiro grau, para os íntimos) e se certifique de que não devia ter repetido a terceira série.Embarque, decole, e pense que a turbulência é até gostosinha…. Quando chegar em BH, tome algumas geladas com as melhores amigas mineiras para recuperar os nervos. Relaxe com algumas boas risadas e continue o final de semana com outras emoções, muito melhores… ;)

sábado, 26 de fevereiro de 2011

O desequilíbrio harmonioso


Existe um texto do Rubem Alves que li recentemente e, mais uma vez, senti como se ele estivesse escrevendo para mim. Talvez porque tenha acertado em cheio uma de minhas primeiras e recorrentes preocupações com o que significa ser um cientista, em termos pessoais. É claro que é uma visão discutível, mas quantos não conheço serem exatamente assim? E quantas outras atividades aparentemente incongruentes eu já não exerci? Assim sendo, também mais uma vez, ele aumenta minha sensação de que esse meu caminho tortuoso e cheio de contradições internas e externas é muito mais interessante do que errado. O que eu antes chamava de equilíbrio dinâmico, e que hoje chamo de desequilíbrio harmonioso, entre os meus anseios e vontades, parece-me cada vez mais confortavelmente comigo mesma.

Espero não estar infringindo (muito) os direitos autorais reproduzindo o texto aqui. Procurei em algum outro lugar, para apenas incluir o link; não encontrei. Vai aqui então, com referência bibliográfica e tudo o mais. E que sirva de estímulo a outros lerem mais textos dele…

ACONSELHO-O A SE CONFORMAR

Você viajou, veio de longe para conversar comigo. Queria que eu o ajudasse a colocar ordem no seu albergue. O corpo é um albergue, você sabe. Nele moram muitos pensionistas com a mesma cara. Lição que aprendi de um demônio que, respondendo a uma pergunta de Jesus sobre o seu nome, respondeu que era Legião, porque eram muitos. O caso mais famoso é o de Fernando Pessoa, nome de batismo de um corpo em que muitas pessoas diferentes moraram, algumas ao mesmo tempo, outras sucessivamente, cada uma pensando e escrevendo de um jeito. Sobre o assunto aconselho você e todos os leitores a verem o filme Quero ser John Malcovitch.

Você me contou sobre alguns dos seus pensionistas. Primeiro o palhaço. Não por acidente, mas por vocação e profissão, com nariz vermelho e tudo o mais, que divertia as crianças. Eis aí um personagem que precisa viver sempre. O riso é, talvez, o remédio mais poderoso para nos ajudar a conviver com a tristeza. O riso do palhaço é sempre um raio de luz na escuridão. Nietzsche se dizia palhaço. Palhaço e poeta. As duas vocações se complementam.

Outro foi um vendedor de cachorro-quente. Para ganhar a vida. Diferente. Você se divertia com os seus cachorros e estava sempre inventando novas raças.

Agora é um professor universitário com a terrível responsabilidade de escrever artigos científicos e se comportar devidamente. Advirto-o de que palhaços e professores universitários não convivem bem. Você sabe disso por experiência própria. Palhaços são leves, flutuam; professores universitários são graves, afundam. É proibido fazer humor em teses de mestrado e doutorado.

E há, por fim, o mais terrível de todos os personagens: o apaixonado. A paixão é uma perturbação da tranquilidade da alma. Abelardo, professor universitário, se deu muito mal, permitindo-se ficar apaixonado pela Heloísa. Foi a sua desgraça. A estória dos seus amores está contada no filme Em nome de Deus. Ele mesmo, Abelardo, rigoroso professor de filosofia, confessou que, tomado pela paixão, deixou de preparar suas aulas e passou a dedicar-se à poesia. Como você sabe, poesia não dá respeitabilidade acadêmica.

Tudo seria simples se cada um dos personagens tivesse morando no seu corpo numa temporada de curta duração, partindo depois para destino ignorado. Não é esse o seu caso. Na realidade, suspeito que haja muitos outros, sobre que você não falou. Falarei sobre um deles, no final. Acontece que todos eles continuam a morar no seu albergue, numa orgia que não lhe dá sossego.

Quero dizer-lhe duas coisas. Pelo que ouvi, não me parece que qualquer um deles tenha disposição para mudar de casa. Isso é ruim, porque você nunca terá paz. Seria tão melhor se você fosse 100% cientista, que só pensasse em pesquisa e artigos! Você teria uma única direção - e mesmo as suas possíveis paixões seriam submetidas ao critério acadêmico. Você se casaria com uma cientista, trabalhariam os dois nos domingos em suas pesquisas, e nenhum reclamaria do outro. Nenhum estaria querendo ir ao cinema enquanto o outro está no computador tentando terminar um artigo. Mas esse não é o caso. Seria muito chato.

Não sendo esse o caso, aconselho-o a se conformar. Ofereço-lhe, como consolo, um aforismo de Nietzsche: "O preço da fertilidade é ser rico em oposições internas. A gente permanece jovem somente enquanto a alma não se espreguiça e deseja a paz." Você está cheio de oposições internas. Se essas oposições lhe tiram a paz, você deve saber que são elas que o fazem interessante. É delas que surgem os pensamentos mais bonitos.

Não sei por que você não continua a ser palhaço e a alegrar as crianças. E por que não fazer isso na universidade? Você tem vergonha? Roupa de palhaço não combina com beca acadêmica?

Quanto às suas habilidades de fazedor de cachorro-quente, acho melhor cuidar delas com cuidado, em particular. Nunca se sabe o que o futuro nos reserva. Sei de professores que passaram a ganhar a vida fazendo suco e vendendo pão.

E vi que seu personagem cientista está a serviço de um personagem artista. Você é um cientista de lagos. Para a ciência, lagos são laboratórios. Muito se pode aprender do seu estudo. Mas você, além disso, ama os lagos pela sua beleza. Você cuida dos lagos pela tranquilidade que eles comunicam. Você tem alma de jardineiro.

Aceite a orgia dos pensionistas com alegria. São poucos os que têm esse privilégio. Apareça de novo quando quiser.

Rubem Alves. Se eu pudesse viver minha vida novamente… 21ª edição, Verus Editora, 2010 .

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Caminhar me faz tão bem...


Recentemente fiz uma viagem a Natal. Sozinha. E passei por uma situação interessante.

No primeiro dia em que cheguei, estava completamente insegura. Eu me senti como provavelmente meus gatos se sentiram quando me mudei para esse apartamento: frente ao território desconhecido, eles grudaram a barriga no chão e se moviam muito, muito lentamente.

Foi exatamente o que eu fiz em meu primeiro dia na praia de Pipa. Olhei os arredores e assim que descobri uma cadeira e um guarda-sol que eu pudesse alugar pelo dia me plantei ali, como se tivesse finalmente encontrado um lugar que pudesse chamar de meu. Fiquei ali, 'tomando sol e apreciando a paisagem' por algumas horas, até me sentir segura o suficiente para começar a explorar os arredores. Naquela tarde não fui muito longe. No dia seguinte fiz uma caminhada bem mais longa. O no dia posterior passei o dia andando e conversando com novas amizades. Aí não parei mais. Fiz tudo o que tinha vontade. Durante a viagem fiz muitos passeios, conheci lugares lindos, fiz novos amigos, visitei uma amiga antiga, escolhi o que fazer e o que não fazer. Acima de tudo, andei, pensei, vi como a vida pode ser bem mais simples.

De volta ao lar e à antiga rotina, algo mudou. A primeira coisa que percebi é que me agarro demais às coisas que tenho e percebi o porque. Minhas coisas me dão uma impressão de segurança, de que estarei preparada para qualquer situação ou necessidade. De fato, nessa viagem, a primeira que fiz inteiramente por turismo completamente sozinha, levei o dobro de bagagem do que precisava, fruto de pura ansiedade. A mesma ansiedade que me faz manter tudo o que tenho.

Comecei a limpeza. Armários foram abertos, roupa foi lavada, lençóis e enormes toalhas velhas deixadas de lado para dar espaço ao novo, ao mais leve. Esse é um processo que recém começou e ainda vai levar um tempo para completar esse ciclo.

E hoje tive mais uma 'revelação'. Em meio a um aperto no coração difícil de resolver, resolvi dar uma volta para arejar. Simplesmente precisava andar e o restinho de luz do dia me permitia pelo menos uma hora de caminhada. Coloquei um tênis, um shorts e uma camiseta e saí sem rumo pela vizinhança. E algo curioso aconteceu. Percebi como, em 14 anos que moro aqui, mal conheço meu próprio bairro. Passei por ruas onde nunca havia estado, vi lugares que mal percebi esse tempo todo, senti cheiros que não imaginava ter tão perto de casa (cheiro de grama molhada, por exemplo), ouvi sons familiares em casas desconhecidas, recebi sorrisos de outros caminhantes. Descobri que moro do lado do canteiro de mudas da subprefeitura do Butantã, um lugar que garante um trecho verde com árvores enormes...

E o melhor de tudo: percebi como posso ver absolutamente qualquer coisa com os olhos de quem nunca viu. Tudo me pareceu novo, até mesmo os lugares que eram velhos conhecidos. As luzes, as cores, os cheiros… tudo estava tão diferente! Nunca pensei em sentar numa esquina e apreciar o passar dos carros pela Raposo Tavares ao entardecer. Senti prazer em contrariar a placa de proibido seguir em frente só porque ela estava ali e não tive dúvidas em mudar de caminho tantas vezes quantas eu senti vontade. A sensação de novo me seguiu até entrar dentro da minha própria casa, quando acendi as luzes do jeito que mais gosto.

Não é a primeira vez que vivencio algo assim. E a experiência de hoje me faz lembrar o quão facilmente esqueço de antigas soluções, que estão ao meu alcance em qualquer momento, sem a necessidade de ter nada de antemão, apenas a minha própria habilidade de me abrir a novas perspectivas.

Da próxima vez, eu saio com a máquina fotográfica...