quarta-feira, 28 de julho de 2010

Quero ser riacho

Eu quero ser riacho, fazer o meu caminho entre curvas, pedras e matas, tortuoso, despretensioso, cheio de pequenos detalhes, de pequenos murmúrios. Quero alternar entre pequenos poços e leves corredeiras, quero ter cachoeiras e grandes quedas, quero a espuma branca e o espelho d'água. Eu quero, ao longo dos vários anos, cavar o meu caminho na rocha, transformar a paisagem, fazer parte dela.

Mas por muitos anos, eu fui represa. Represas costumam ser lugares lindos, imponentes... enganosamente calmos. Pois naquele enorme corpo de água existe uma energia potencial imensa, uma tensão oculta procurando apenas um minúsculo espaço para jorrar, para extravasar, para romper o dique e romper com todas as barreiras.

E foi exatamente o que aconteceu comigo. Com o tempo, lentamente, a barragem começou a trincar, a água foi se infiltrando pelas rachaduras, expandindo as brechas, comprometendo a estrutura tão cuidadosamente construída. E de repente, num momento súbito, tudo ruiu, de uma só vez. A água, que não podia mais ser contida, alagou tudo em volta, espalhou-se avidamente por todos os lados, entrando por caminhos que antes nem sequer existiam. A área da represa, agora sem o seu conteúdo usual, revelou-se um enorme espaço vazio, barrento, exposto, sem direito a se ocultar da luz do sol.

Ah, como esse vazio doeu no peito! E como tentei preenche-lo com qualquer coisa que me captasse o interesse... Mas o tempo foi passando e a paisagem foi incorporando essa terra exposta, curando as feridas, recobrindo de verde, delineando um novo perfil para esse terreno que, no fim das contas, era bastante fértil. Os sulcos agora fazem parte de mim, do meu espaço de manobra, e a água persiste no fundo do canyon, explorando novos lugares, mais profundos, por vezes subterrâneos.

O sonho de todo o riacho é simples: ser o que é em rumo de fazer parte de algo maior. Chegar ao rio e depois chegar ao mar. E seu maior medo? Virar represa de novo. Perder a liberdade dos caminhos tortuosos. Ser contido, armazenado naquele imenso volume de águas pesadas, tão calmas, tão reflexivas ao sol, tão imóveis...

Não quero nunca mais ser represa. Quero continuar com minhas curvas, minhas corredeiras, meus sulcos profundos, minhas cavernas. Quero manter meu constante e sinuoso caminho rumo ao mar.

P.S.: Tive o prazer de tirar todas as fotos dessa postagem.

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